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Aos 15 anos

 

Os olhos estavam inchados. Por chorar e por fumar. Vermelhos e inchados. Cabelo sujo de dias, grudava no rosto molhado de lágrimas. Ela estava parada de frente para o espelho depois de passar a tesoura de qualquer jeito tirando a parte loira do cabelo que era do ombro até a bunda. O loiro ressecado estava no chão e o preto natural estava na cabeça de forma desgrenhada. Estava mal e sozinha.

Ouviu a louça voando no cômodo de baixo. prataria fazia barulho diferente então dessa vez sabia que os pais estavam brigando com louça. Era sempre a mesma coisa, traição, briga, porrada, ela e o irmão chorando e depois apanhando por absolutamente motivo nenhum.  Três batidas na sua porta. Pausa. Mais três batidas. Ela sabia que era seu irmão gêmeo.

Abriu a porta e recebeu um irmão de cabelos negros e olhos inchados pelos mesmos motivos dela. Ele passou por ela e se jogou de cara na cama da menina. O quarto cheirava a comida, fumo e suor. Ela não saia daquele cômodo fazia mais de mês e não deixava a empregada entrar. 

-Liguei pra polícia. 

Foi a única coisa que ele disse. Ela ficou ainda imóvel com a tesoura na mão. Tranco a porta e sentou ao lado do irmão caído na cama.

-Do que adianta? - Papai vai pagar o policial para calar a boca, mamãe vai dizer que está tudo bem e foi um acidente,e  nós somos jovens de 15 anos que ninguém leva à sério. Apenas jovens rebeldes que querem desafiar os pais.

-Dessa vez é diferente. - A voz dele tava fraca e ela teve que prestar bastante atenção pra ouvir. - Ele agora... - Seus olhos fecharam devagar. - Tem um cadáver.

Ela continuou calada uns segundos sentindo-se confusa. Até que finalmente viu a boca dele espumar. levantou-se assustada. Chacoalhou o irmão em desespero.

-Tiago! Tiago, não em deixe. Não me abandone no meio disso. Eu não sei como viver nessa bagunça, por favor. Não em deixe sozinha com eles.

Sem resposta e em meio das lágrimas ela correu até o quarto do irmão ouvindo o pai chamar a mãe de todos os pores nomes enquanto ela gritava tentando impedi-lo de bater mais nela. A porta do quarto do irmão aberta e três pacotes de veneno de rato jogados. o quarto dele não estava muito diferente do dela. A bagunça, o mal cheiro, o medo ecoava nas paredes. Correu de volta para seu quarto em prantos quando ouviu a sirene do lado de fora da gigante casa.

-Tiago! - Ela gritou mesmo sabendo que já era tarde. - Você é muito egoísta. - Falou a última frase em um sussurro.

Colocou a mão e baixo da cama procurando por algo específico. Trouxe a mão com uma tesourinha de unha afiada. Abriu-a deixando as duas pontas separadas e estendeu o braço puxando as mangas de cada lado. os braços repletos de cicatrizes mostravam a dor de anos de uma  jovem de quinze anos.

A gritaria no andar de baixo estava intensa, agora havia mais gente lá, os policias, vizinhos do lado de fora e os pais. Ela ouviu um disparo de arma de fogo e enfiou a tesoura fundo no pulso puxando com força o corte até quase o cotovelo. Tentando manter a força do braço cortado, segurou a tesoura com a outra mão e repetiu o ato no outro braço, deixando a tesoura cair sem forças de continuar o corte que parecia pouca coisa menor do que o anterior.

Tais não sentia dor nenhuma. Sentia os braços formigarem e via veias, sangue, nervos. Não sentia nada. o sangue escorria como uma cachoeira. Caiu deitada ao lado do irmão. Ele de bruços com os olhos fechados e a boca espumando. Ela deitada de costas ao seu lado, encarando cada detalhe do rosto do seu gêmeo. Eles eram idênticos, não fosse pelos sexos opostos.

Já não conseguia mais distinguir nada do que acontecia lá em baixo. As vozes eram confusas, a luz parecia estar se apagando, ela não conseguia saber se estava fechando os olhos ou não. Não estava. Morreu de olhos abertos. E agora eram dois cadáveres.

Letícia Pontes

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